Movimento Estratégio Estado Laico - MEEL

Laicismo ou laicidade? Desafios atuais do Estado Democrático Brasileiro

Subsídio para os debates do painel “Laicismo ou laicidade? Desafios atuais do Estado Democrático Brasileiro” no Seminário Nacional do MEEL/2014
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Os direitos à liberdade de consciência e à liberdade de expressão têm sido reivindicados tanto por defensores dos direitos humanos, direitos sexuais e direitos reprodutivos quanto por conservadores que associam sua fé religiosa a posicionamentos políticos. A laicidade do Estado não vem sendo formalmente questionada, embora hajam divergências no entendimento do que seja a laicidade. Recentemente assistimos à polemização conservadora quanto ao Estado laico não ser um Estado ateu, alegando que defensores da laicidade do Estado associados à defesa dos direitos humanos estariam propondo laicismo, ou seja, a interpretação de que o Estado estaria vetado a reconhecer quaisquer religiões, se consolidando como um Estado ateu.

Do nosso ponto de vista, esta polemização forja uma polarização improdutiva e não realista, já que os processos de articulação de diferentes movimentos sociais na defesa da laicidade do Estado tem lançado mão, inclusive, do diálogo permanente com instituições religiosas. Portanto, cabe a reafirmação de que a laicidade que defendemos considera a importância do reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, da pluralidade religiosa que constitui a nossa diversidade social, bem como considera e reconhece a existência de grupos e indivíduos que não apresentam vínculos com religiões ou mesmo se auto-intitulam ateus, sem prejuízo moral para estes.

O ideal democrático constante em nossa Carta Magna encontra na laicidade sua condição de possibilidade, sendo vetado ao Estado a adoção de posição religiosa oficial justamente para que a diversidade de crenças seja formalmente protegida contra atentados aos direitos humanos e sociais de diferentes grupos sociais, sejam estes organizados em função de quaisquer religiosidades ou não. A interferência do discurso religioso na política nacional tem desprivilegiado e buscado silenciar vozes antagônicas a determinados preceitos de fé, o que não condiz com a defesa e valorização da diversidade social, tal como prevista também pela Constituição Federal de 1988.

O projeto político de tomada de poder por meio da auto-atribuição de superioridade moral, empreendido por mercadores da fé na política, é não somente anti-democrático mas também deslegitima um dos pilares da justiça social contemporânea: a equidade como princípio ético democrático. A consideração das diferenças morais, culturais, religiosas e das práticas sociais é fundamental para o ideal democrático, sendo o Estado laico a condição para que as diferenças não sejam assoladas por projetos políticos de segregação, marginalização e desqualificação.

O protagonismo de diferentes sujeitos e grupos sociais é fundamental para a construção de marcos legais e políticas públicas a eles diretamente relacionados, sendo mulheres, população negra, usuários de drogas, grupos religiosos, LGBT e outros atores sociais legítimos e que devem ser escutados em suas próprias crenças e reivindicações por direitos humanos e sociais.

Questões que levantamos para o debate coletivo:

– em que medida a fé religiosa é legítima ou inconstitucional quando expressa por autoridades nos poderes públicos?

– qual a função do Estado democrático na garantia das liberdades de crença e de expressão?

– como encarar a legitimidade e os limites das instituições religiosas em seus pleitos de participação no processo democrático para a construção de políticas públicas?

– como discutir limites às liberdades de expressão sem incorrer na lógica da censura e desqualificação moral, ou seja, como questionar que certos discursos religioso que violam a dignidade de outrem por meio da desqualificação moral estariam incorrendo em violação de direitos fundamentais e que portanto deveriam ser regulados pelo Estado?

 

Tatiana Lionço
Possui graduação (1999), Mestrado (2002) e Doutorado (2006) em Psicologia pela Universidade de Brasília. Pesquisa questões relacionadas à sexualidade, ao gênero, à bioética, aos direitos humanos e direitos sexuais e reprodutivos. Atuou em consultorias para o Governo Federal e na Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Atualmente é pesquisadora e docente nos cursos de graduação e mestrado em Psicologia no Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Organizadora em conjunto com Debora Diniz do livro Homofobia & Educação: um desafio ao silêncio (2009) e com Debora Diniz e Vanessa Carriâo do livro Laicidade e ensino religioso no Brasil (2010). Em 2012 recebeu o prêmio Beijo Livre Direitos Humanos LGBT, concedido pela ONG Estruturação/DF. (Texto informado pelo autor)